A Importância do Colo - O Conceito do
Continuum
revista
espanhola Tu Bebé, número 188.
A antropóloga americana
Jean Liedloff estudou a tribo venezuelana dos Yequana e defende que para
conseguir um desenvolvimento físico, mental e emocional ótimo, o ser
humano e especialmente um bebê, necessita o tipo de experiências às quais
a nossa espécie se adaptou durante uma longa evolução. Para uma criança
são: constante contato físico com seu cuidador desde o nascimento, dormir
com os pais até deixar de fazê-lo por vontade própria, amamentação a livre
demanda, ser levado constantemente nos braços ou de maneira que possa
observar a atividade do adulto, ter cuidadores que respondam aos seus
sinais imediatamente sem julgá-la e finalmente, sentir que cumpre as
expectativas dos pais, que é bem-vindo e digno. Segundo Liedloff, as
crianças cujas necessidades "continuum" forem satisfeitas crescerão com
maior auto-estima e serão mais independentes.
Nos dois anos
e meio que morei entre os índios da idade da pedra na selva sul-americana
– não consecutivos, mas sim em cinco expedições distintas com muito tempo
entre elas para refletir – cheguei a compreender que a natureza humana não
é o que nos fizeram acreditar. Os bebês da tribo Yequana, longe de
precisarem de paz e tranquilidade para dormir, tiravam uma soneca
tranquilinhos enquanto os homens, mulheres ou crianças que os carregavam
dançavam, corriam, andavam ou gritavam. Todas as crianças brincavam juntas
sem brigar ou discutir e obedeciam aos mais velhos no mesmo instante e de
bom grado.
A essa gente, nunca lhes passou pela cabeça a idéia de
castigar uma criança e, no entanto, seu comportamento não deixa entrever
permissividade nenhuma. Nenhum moleque faz escândalo, interrompe os outros
ou espera que um adulto lhe mime. Aos quatro anos, contribuíam mais com as
tarefas do lar que davam trabalho elas mesmas.
Os bebês nos braços
quase nunca choravam e era fascinante comprovar que não agitavam os braços
e as pernas, não arqueavam as costas nem flexionavam as mãos e os pés.
Permaneciam sentados nos slings ou dormiam encostados nos quadris do seu
cuidador, desmentindo deste modo a crença de que os bebês precisam
mover-se e flexionar as extremidades para exercitar-se. Também observei
que não regurgitavam a não ser que estivessem muito doentes e que também
não tinham cólicas. Quando se assustavam nos primeiros meses de
engatinhar, não esperavam que ninguém acudisse correndo, ao invés disso,
iam sozinhos em direção à mãe ou cuidador em busca dessa sensação de
segurança antes de seguir com suas explorações. Inclusive sem supervisão,
nem os menorzinhos se machucavam.
Será que sua natureza humana é
diferente da nossa? Algumas pessoas assim o creem, mas evidentemente só
existe uma espécie humana. Que podemos aprender, então, da tribo
Yequana?
Antes de tudo, podemos tentar compreender o poder
educativo do que eu chamo da “fase do colo”, que começa no momento do
nascimento e termina quando o bebê começa a mover-se, quando pode
afastar-se do seu cuidador e voltar quando queira. Essa fase consiste,
simplesmente, em que o bebê tenha contato físico durante as 24 horas com
um adulto ou criança mais velha.
A princípio, vi que essa
experiência tinha um efeito extraordinariamente benéfico para os bebês,
que não eram tão difíceis de tratar. Seus suaves corpinhos se adaptavam a
qualquer postura que fosse cômoda para quem o levasse. Em contraposição a
esse exemplo, vemos a incomodidade dos bebês que, com sumo cuidado, dormem
no berço ou no carrinho. Bem agasalhados, se encontram lá jogados e
rígidos, com o desejo de abrigar-se a um corpo vivo e em movimento: o
lugar que lhes corresponde por natureza. Um corpo, em definitivo, que
pertence a alguém que acreditará no seu choro e aliviará o seu anseio com
braços afetuosos.
Por quê nossa sociedade é tão incompetente? Desde
a infância, nos ensinam a não acreditar nos nossos instintos.
Condicionados para desconfiar do que sentimos, nos persuadem para que não
acreditemos no choro de um bebê que diz: “ Me pega no colo!”, “Quero estar
com você!”, “Não me deixe!”. Em lugar disso, recusamos a idéia da resposta
natural e seguimos os preceitos da moda que são ditados pelos
“especialistas” no cuidado infantil. A perda da fé em nossa experiência
inata nos leva a pular de um livro a outro, à medida que vão fracassando
todas e cada uma das modas passageiras.
É essencial entender quem
são os verdadeiros especialistas. O segundo especialista em cuidado de
bebês reside no nosso interior, assim como em cada ser vivo que, por
definição, deve saber como cuidar de sua cria. É claro que o maior
especialista é o próprio bebê, programado durante milhões de anos de
evolução para demonstrar seu temperamento com sons e gestos quando gosta
do cuidado que recebe. A evolução é um processo de perfeição que “afinou”
nosso comportamento com uma precisão magnífica. O sinal do bebê, a
compreensão deste por parte dos que o rodeiam e o impulso a obedecê-la
formam parte do caráter da nossa espécie. Nosso intelecto presunçoso
demonstrou-se mal preparado para advinhar as autênticas necessidades do
bebê. A pergunta costuma ser: “Devo pegar o bebê quando chora?”, “Devo
deixar chorar um pouco antes de pegâ-lo?” ou “Deveria deixar que chore
para que saiba quem manda e não se torne um tirano?”.
Nenhum bebê
concordará com essas imposições. De forma unânime nos fazem saber através
de gestos e sinais que não querem que lhes façamos dormir e lhes ponhamos
no carrinho. Como essa opção não foi muito defendida na civilização
ocidental atual, a relação entre pais e filhos acabou marcada por essa
confrontação.
O jogo se centrou em como fazer o bebê dormir no
berço, mas nunca se debateu se é preciso respeitar ou não o choro do bebê.
Apesar de que o livro de Tine Thevenin, The Family Bed (A Cama Familiar),
entre outros, abriu a brecha com o tema de que as crianças durmam com seus
pais, não se abordou com claridade suficiente o princípio mais importante:
“Atuar contra a natureza como espécie conduz irremediavelmente à perda do
bem-estar”.
Então, uma vez que compreendamos e aceitemos o
princípio de respeitar as expectativas inatas, poderemos descobrir com
exatidão quais são essas expectativas. Em outras palavras, saberemos o que
é que a evolução nos acostumou a experimentar e sentir.
A Função Educativa
Como
cheguei à conclusão de quão importante é a fase do colo para o
desenvolvimento de uma pessoa? A primeira coisa que vi foi como era feliz
essa gente nas florestas da América do Sul com seus bebês penduradinhos no
corpo e, pouco a pouco, fui relacionando esse fato tão simples com a
qualidade de vida. Mais tarde, cheguei a certas conclusões a respeito de
como e por quê é essencial o contato contínuo com o cuidador na fase
pós-natal do desenvolvimento.
Por um lado, parece que a pessoa que
carrega o bebê (normalmente a mãe durante os primeiros meses e depois uma
criança de 4
a 12 anos que devolve o bebê à mãe para que esta lhe
dê de comer) está servindo de base para as experiências posteriores. O
bebê participa passivamente nas corridas, passeios, risadas, bate-papos,
tarefas e brincadeiras do cuidador que o carrega. As atividades, o ritmo,
as inflexões de linguagem, a variedade de vistas, noite e dia, a variação
de temperatura, secura e humidade, além dos sons da vida em comunidade,
formam a base para a participação ativa que começará aos seis ou oito
meses, com o arrasto, a engatinhada e depois o passo. Um bebê que passou
todo esse tempo deitado no berço, olhando o interior de um carrinho ou o
céu, terá perdido a maior parte dessa experiência essencial.
Devido
à necessidade que a criança tem de participar, é muito importante que os
cuidadores não fiquem olhando pra ele ou perguntando constantemente o que
querem, mas sim que deixem que eles mesmos tenham vidas ativas. De vez em
quando, não podemos resistir a dar-lhes um monte de beijos, no entanto,
uma criança que está acostumada a ver passar a vida agitada que levamos se
confunde e se frustra quando nos dedicamos a contemplar como ele vive a
sua. Um bebê que não fez mais que contemplar a vida que vivemos, se
submerge na confusão se lhe pedimos que seja ele quem a
dirija.
Parece que ninguém se deu conta da segunda função essencial
da experiência da fase do colo, inclusive eu mesma, até meados da década
de 60. Esta experiência dota os bebès de um mecanismo de descarga do
excesso de energia que não são capazes de fazer por si mesmos. Nos meses
anteriores a poder mover-se sozinhos, acumulam energia mediante a absorção
do alimento e a luz solar. É então quando o bebê necessita o contato
constante com o campo energético de uma pessoa ativa que possa descarregar
o excesso de energia que nenhum dos dois utiliza. Isso explica porque os
bebês Yequana estavam tão relaxados e porque não ficavam rígidos, davam
chutes ou arqueavam as costas.
Para oferecer uma experiência ótima
nesta etapa temos que aprender a descarregar nossa energia de maneira
eficaz. Podemos acalmar mais rapidamente um bebê correndo com ele,
dançando ou fazendo o que seja para eliminar o excesso de energia próprio.
Uma mãe ou pai que tem que sair de repente para buscar alguma coisa não
precisa dizer: ”Fica com o bebê que vou correndo até a loja”. O que tenha
que sair que leve o bebê. Quanto mais ação, melhor.
Bebês e adultos
experimentam tensões quando a circulação de energia nos seus músculos não
flui bem. Um bebê cheio de energia acumulada não descarregada está pedindo
ação: uma volta pela sala dando pulinhos ou uma dança agitada. O campo de
energia do bebê aproveitará imediatamente essa descarga do adulto. Os
bebês não são as pessoinhas frágeis que costumamos tratar com luvas de
seda. De fato, se neste estágio de formação tratamos a um bebê como se
fosse frágil, acabará acreditando que é fraco de verdade.
Como
pais, podemos conseguir a destreza para comprender o fluxo de energia do
nosso filho. No processo, descobriremos muitas mais maneiras de ajudá-lo a
manter o suave tônus muscular do bem-estar ancestral e de proporcionar-lhe
a calma e o conforto que necessita para sentir-se confortável nesse
mundo.
Leitura:
- Continuum
Concept, The – Liedloff, Jean. Perseus Books
(1986).
Este texto me foi enviado pela dentista da minha filha, Dra. Daniela. Já tinha escutado falar sobre esse estudo e compartilho aqui com quem interessar.